quinta-feira, 6 de outubro de 2011

ARTIGO: A Criação do PSD

É bom que a criação do mais novo partido político brasileiro esteja acontecendo na hora em que a reforma política chega à sua etapa decisiva. A institucionalização do Partido Social Democrata ilustra o que é hoje nosso sistema partidário e mostra como é necessário alterar a legislação que o enseja.

A oportunidade é especialmente relevante por ser esse um dos pontos que menos atenção recebeu nas discussões sobre a reforma. Desde quando elas se iniciaram no Senado, logo no começo do ano legislativo, e depois que a Câmara constituiu sua Comissão Especial de Reforma Política, dezenas de tópicos foram considerados, alguns fundamentais e outros completamente secundários, mas quase nada se falou a respeito da legislação partidária.

Nela está, no entanto, a raiz de boa parte dos problemas de nosso sistema político. As regras que regulam a criação, a organização e o funcionamento dos partidos são a origem de muitas de suas disfuncionalidades e complicações.

Na política, como em qualquer área, a dificuldade de identificar a verdadeira causa de um problema leva ao desenho de soluções inadequadas, inúteis ou, o que é pior, capazes de provocar males maiores. Fazendo, para ilustrar, uma analogia com a medicina: se alguém tem um problema postural, não será com antibióticos que vai recuperar a saúde.

A ênfase na discussão sobre modelos de financiamento (manter as coisas como estão ou passar para um sistema de financiamento público exclusivo) e sistemas eleitorais (adotar alguma forma de voto distrital ou preservar o voto proporcional, com ou sem alterações), deixando de lado a legislação partidária, não é um bom caminho para a reforma política.

Ou tratamos as questões partidárias ou teremos novos PSDs amanhã. E, nisso, não há qualquer julgamento de valor sobre o que o prefeito Gilberto Kassab e seus correligionários estão fazendo.

Repetindo uma noção do bê-á-bá da ciência política, não existe verdadeira democracia, estável e institucionalizada, sem representação. Seu funcionamento regular implica mecanismos através dos quais os cidadãos escolhem determinados indivíduos para os representar, seja na administração pública, seja na elaboração das leis e na fiscalização dos administradores, i.e. no Executivo e no Legislativo. E não há democracia representativa sem partidos políticos.

Nossa atual legislação partidária, embora alterada por centenas de resoluções, decretos, emendas e outras leis subsequentes, data de 1996 e tem estrutura dependente das que herdamos da ditadura, as Leis Orgânicas dos Partidos Políticos promulgadas em 1965 e 1971.

Seu anacronismo pode ser visto em dispositivos como o que proíbe que os partidos façam “treinamentos militares” e “adotem uniformes” para seus membros (se não estivesse em vigor, quem sabe que uniformes os partidos de hoje adotariam).

Já tivemos partidos apenas regionais, na República Velha. Passamos anos sem nenhum, no Estado Novo.

Entusiasmados com a democracia restaurada em 1945, chegamos a 13 (alguns limitados a um ou outro estado).

Os militares impuseram o bipartidarismo (mas tiveram que afrouxá-lo mediante as sub-legendas). E, depois da redemocratização, como costuma ocorrer em países que saem do autoritarismo, soltamos todas as restrições à criação de partidos.

Mais, desenvolvemos instrumentos que são verdadeiros convites a que proliferem organizações sem qualquer vínculo real com a sociedade. Satisfeitas algumas rotinas burocráticas (cujo cumprimento sequer é sempre fiscalizado), qualquer uma pode funcionar, ter acesso a fundos públicos e ao uso gratuito dos meios de comunicação. Seus “líderes” criam feudos e enriquecem.

É por isso que temos 28 partidos registrados e 40 pedidos de registro de novos. Que temos mais de mil candidatos a deputado em alguns estados. Que as pessoas comuns não conseguem acompanhar o vai e vem de políticos de um para outro. Que muita gente se confunde e acha que todos são iguais.

O PSD foi criado em resposta a algum anseio da sociedade? Preenche um vazio de representação? Nasceu da vontade articulada de um grupo de lideranças, que compartilham uma mesma interpretação do Brasil e acreditam nas mesmas propostas para enfrentar nossos problemas?

Ninguém no novo partido, com realismo, diria que sim. Mas como criticar seus responsáveis, se nada mais fazem que jogar de acordo com as regras existentes? Ou será que o PSD é menos legítimo que algumas legendas em ocaso e outras irrelevantes, das quais está se alimentando, talvez para se tornar o terceiro maior partido na Câmara, menor apenas que o PT e o PMDB?

O PSD não é um problema de nosso sistema político. É um sintoma.

AUTOR: Marcos Coimbra (é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi)

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