sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Quem, na verdade, criou o Tocantins


Na edição de 23 de março de 2006, publiquei neste jornal o artigo “O hino e a autonomia”, a propósito do chamado “Dia da Autonomia”, quando, em 18 de março de 1809, D. João VI assinou o Alvará que criava a Comarca do Norte, primeiro passo para a emancipação da nossa região, que, 180 anos depois resultou no Estado do Tocantins.

Dizia eu que a criação do Estado não ocorrera como num passe de mágica pela Constituição de 1988, vindo de uma gestação secular, onde pontificaram heróis como Felipe Antônio Cardoso, Joaquim Teotônio Segurado e tantos outros bravos visionários emancipacionistas: o Brigadeiro Lysias Rodrigues, Feliciano Machado Braga, Fabrício César Freire, Trajano Coelho Neto, para não citar outros, que começaram o movimento para a independência do Norte de Goiás.

Surgiram outros movimentos, destacando-se a Conorte e a Cenog: a Conorte integrada por Adão Bonfim Bezerra, Antônio Maia Leite, Maria das Dores Braga Nunes, Mary Sônia Matos Valadares, além de outros, de idêntico relevo, como Antônio Luiz Maya, José Sebastião Pinheiro, Otoniel Andrade, José Bezerra da Costa, Joacir Camelo Rocha e Aldo Azevedo Soares; a Cenog, idealizada então Padre Ruy Rodrigues da Silva, e fundada por um grupo de jovens estudantes provenientes de cidades que, posteriormente, iriam pertencer ao futuro Estado do Tocantins, tinha à frente o acadêmico Vicente de Paula Lei-tão, o jovem orador José Cândido Póvoa, que ocupou a presidência da Seccional em Dianópolis, onde foi realizado o último congresso daquela entidade, e o secundarista e brilhante tribuno José Cardeal dos Santos, que foram, sem sombra de dúvida, os principais fundadores daquela entidade estudantil.

Com o advento de Brasília, pipocaram vários movimentos para a criação do Estado do Tocantins. A partir de 1970, o então deputado federal por Goiás Siqueira Campos elegeu a criação do Estado como meta principal de seus sucessivos mandatos. Nortenses ilustres, que ocupavam posições de relevo no Sul, como Darcy Marinho, João d´Abreu, José de Sousa Porto, Ana Braga, Fran-cisco de Britto, Maximiano da Mata Teixeira, Francisco Maranhão Japiassu e outros, desfraldaram a bandeira separatista, cuja carona Siqueira Campos pegou e se impôs como “o criador do Estado”. Mas, tal como na inauguração de um grande edifício, ele apenas arrematou a pintura e cortou a fita.

E Siqueira Campos, no proselitismo de seu sonho, por cuja realização submeteu-se até a uma greve de fome juntamente com o tocantinense Totó Cavalcante, fincava sua idéia no combate às oligarquias dos chamados capitães-generais. Assim é que o Hino do Tocantins, que cita Segurado e o próprio Siqueira Campos, em uma de suas estrofes, diz: “Do bravo Ouvidor a saga não parou/Contra a oligarquia o povo se voltou”.

Há políticos que, por incompetência, ou mesmo servilismo, ainda não deglutiram o significado de independência, vivendo pela vontade alheia. Da mesma forma, alguns integrantes do Judiciário, mesmo cientes da soberania do Poder de que fazem parte, e legal e juridicamente independentes, insistiam em viver sob a orientação de quem deles se utilizava apenas para continuar mandando.

Seria hipocrisia ignorar a participação de Siqueira Campos na criação do Estado, mas o Estado teve muitos criadores, uns anônimos, e outros propalados.

Como autor do “Hino Oficial do Tocantins”, que, pelo que soube, Siqueira mandou ser substituído, fico a meditar sobre aqueles dois versos da estrofe mencionada (“Do bravo Ouvidor a saga não parou/Contra a oligarquia o povo se voltou”), que foi exatamente uma das bandeiras de palanque na campanha pela criação do Estado, que, mercê disso, pensava que o Tocantins não era criação, mas propriedade familiar. Mas se terminou a oligarquia dos capitães-generais, outra veio para governar o Estado, desta vez com mão-de-ferro. Ao que parece, a dos Siqueira Campos acabou-se melancolicamente, com uma aviltante renúncia adrede combinada, terminando por ver o tiro sair pela culatra.

O hino foi profético: as oligarquias começaram a desmoronar, pois “contra a oligarquia o povo se voltou”.


Liberato Póvoa é desembargador aposentado do TJ-TO, escritor, jurista, historiador e advogado

Fonte: Jornal do Tocantins - Coluna Tendências e Idéias (03/01/2015)

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