Fantástico encontrou pessoas
que recebem altos benefícios do Senado e da Câmara, mas trabalham e ganham
dinheiro.
Durante três meses, o
Fantástico investigou a farra das aposentadorias por invalidez no Congresso
Nacional. O programa encontrou pessoas que recebem altos benefícios do Senado e
da Câmara, mas levam uma vida normal, trabalhando e ganhando dinheiro, mesmo que
no papel esteja escrito que elas deveriam estar afastadas por causa de alguma
doença grave.
Qual a diferença entre os
homens que aparecem no vídeo e a senhora? Há 11 anos, dona Marisa tenta, no
INSS, uma aposentadoria por invalidez.
“Eu me sinto como um bicho
rastejando no chão, pedindo socorro”, diz Marisa Ferreira Sarto, dona de casa.
Dante Ribeiro e Alfredo
quintas são ex-servidores federais, aposentados por invalidez pelo Senado da
República.
“Sou último nível, né
companheiro? Ganho R$ 20 mil por mês”, conta Alfredo.
Francisco Gonçalves Filho,
ex-deputado, também conseguiu o benefício, mas pela Câmara Federal.
A aposentadoria dele é de
mais de 26 mil por mês.
“O que significa
aposentadoria por invalidez?”, pergunta o repórter.
“A incapacidade total e permanente
para o trabalho. A legislação é muito taxativa a esse respeito. Ela diz que se
o aposentado voltar a trabalhar a sua aposentadoria será automaticamente
cancelada”, explica Wagner Balera, presidente da Comissão de Direito
Previdenciário do Instituto de Advogados
de SP.
Como Dante, Alfredo e
Francisco se aposentaram por invalidez?
Enquanto uma cidadã comum -
que contribuiu 18 anos para a Previdência Social e tem várias doenças - não
consegue o benefício? É o que você vai ver a partir de agora.
Dante Ribeiro começou a
trabalhar como motorista do Senado em 1974. Vinte nove anos depois, ou seja, em
2003, se aposentou como inválido. Segundo a junta médica do Senado, Dante tinha
câncer de próstata.
Em 2011, o ex-motorista,
aposentado havia oito anos por invalidez, obteve um emprego: diretor de
planejamento da Companhia de Saneamento de Tocantins.
Os sócios da Saneatins são o
governo do estado e uma empresa particular.
Durante um ano, Dante
recebeu salário de mais de 18 mil reais, além da aposentadoria do Senado que -
na época - estava em quase 23 mil. Por mês, o total bruto passava de R$ 41 mil.
O Ministério Público Federal
diz que o acúmulo dos dois rendimentos foi ilegal e que Dante não poderia
trabalhar, por ser aposentado por invalidez.
“Pode configurar o crime de
estelionato. O Ministério Público Federal vai adotar todas as providências
necessárias para responsabilização daqueles que foram autores de ilegalidade
nesse caso”, afirma Fábio Conrado Loula, procurador da República.
O Fantástico foi à Palmas,
no Tocantins, onde Dante Ribeiro vive atualmente, para registrar a rotina dele.
Dante continua recebendo o
benefício do senado, agora de R$ 24 mil. E mudou de ramo: trabalha com compra e
venda de carros.
Considerado inválido para o
trabalho de motorista do Senado, ele dirige com frequência.
Nosso produtor diz que está
interessado num veículo e puxa conversa.
No diálogo, Dante confirma
que é aposentado. Mas não fala em invalidez.
“Ganho igual desembargador.
O Senado é uma mãe”.
“Mas aposentou por tempo de
serviço?”
“Tempo de serviço”.
O Senado também investiga um
outro ex-funcionário da casa. O analista de informática Alfredo Quintas foi
contratado em 1976. 23 anos depois, foi considerado inválido e se aposentou.
Os médicos do Senado
diagnosticaram, assim como no caso de Dante Ribeiro, câncer de próstata.
Alfredo, 61 anos, mora no
litoral sul da Bahia. Recebe uma aposentadoria de R$ 20 mil.
Em Nova Viçosa, Alfredo
tentou uma nova fonte de dinheiro público. Se candidatou a vereador por duas
vezes.
Nesta gravação em áudio de
um comício, no ano passado, Alfredo promete ser um vereador atuante.
“Nós já estamos fartos dessa
câmara. Espero que vocês elejam esse amigo de vocês, Alfredo”, diz Alfredo.
Consultamos esta
especialista em direito previdenciário da OAB, a Ordem dos Advogados do Brasil.
“Essa pré-disposição dele
para exercer um cargo de vereador mostra que ele tem condições de saúde para
exercer uma atividade remunerada e não tem necessidade alguma de receber um
benefício de aposentadoria por invalidez. Essa conduta é ilegal, além de
imoral”, destaca Vanessa Vidutto, advogada especialista em direito
previdenciário.
Alfredo Quintas não se
elegeu. Nosso produtor se apresentou como jornalista e marcou um encontro com
ele em um restaurante, em Brasília, cidade onde Alfredo tem parentes.
Sem saber que era gravado, o
ex-analista fala sobre a sua aposentadoria.
Assim como Dante Ribeiro,
ele não diz que recebe o benefício por invalidez.
“O senhor se aposentou por
tempo de serviço?”, pergunta o produtor.
“Por tempo de serviço. Sou
último nível, né companheiro? Ganho R$ 20 mil por mês”, responde Alfredo.
O Fantástico apresentou ao
presidente do Senado os casos de Alfredo Quintas e Dante Ribeiro.
“Uma conduta criminosa,
fraudulenta e como tal precisa ser tratada. Vamos criar uma comissão de
sindicância, num curtíssimo prazo, vasculhar essas aposentadorias e revertê-las
judicialmente”, ressalta Renan Calheiros, presidente do Senado.
Tentamos falar novamente com
Alfredo Quintas. Deixamos vários recados, mas ele não deu retorno. Já Dante
aceitou falar. Alega que ainda tem câncer e que passa por exames periódicos no
Senado.
Dante: “Eu não sinto.
Impossibilitado de trabalhar, eu sinto. De cumprir horario, de trabalhar. Por
isso, eu sai do serviço”.
Repórter: “Mesmo assim,
aceitou ser diretor da Saneatins?”
Dante: “Mas ai você tá
buscando uma coisa lá atrás, eu não quero falar sobre isso”.
Repórter: “Será que o senhor
não podia estar no senado, trabalhando lá, já que o senhor tem disposição pra
trabalhar?”
Dante: “Se quiser que eu
volte pra trabalhar, eu volto”.
A repórter Giuliana Girardi
conta a história de uma senhora de 52 anos, de Mogi das Cruzes, grande São
Paulo. Ela luta pra conseguir uma aposentadoria do INSS.
Uma única carteira de
trabalho não foi suficiente para tantas profissões. Dona Marisa foi balconista,
vendedora, embaladora, demonstradora, comerciante. As coisas mudaram, quando as
doenças começaram a aparecer.
“Eu sou cardiopata. Fiz
cirurgia do coração em 95. Depois, eu tive AVC e perda de memória. Dai, veio a complicação da coluna. É bico de
papagaio, hérnia de disco. E 2010, eu
descobri o câncer de mama”, conta Marisa Ferreira Sarto.
Ela toma oito remédios por
dia e vai toda semana ao médico.
A dona Marisa faz
acompanhamento com neurologista, cardiologista, ortopedista, fisioterapeuta,
oncologista. O mastologista dela é o doutor Adriano Baeta. Como o senhor avalia
a saúde da dona Marisa?
“Ela foi submetida a uma
mastectomia radical modificada, que é a retirada da mama. E ela tem uma
limitação física por causa da doença”, explica Adriano Baeta, médico.
O médico explica que, por
causa do câncer, dona Marisa ainda teve que retirar gânglios da axila - que são
pequenos nódulos.
Que tipo de serviço ela não
pode desempenhar por causa desse problema no braço?
“Serviços braçais. Ela não
pode fazer exercícios de repetição”, responde Adriano Baeta.
Dona Marisa contribuiu 18
anos com o INSS. Desde 2002, ela tenta se aposentar por invalidez.
O máximo que conseguiu foram
quatro auxílios-doença, um benefício provisório, que é cancelado assim que o
INSS considera que a pessoa pode trabalhar de novo.
A equipe do Fantástico
acompanha a dona Marisa até o INSS, pra mostrar a dificuldade que ela enfrenta
toda vez que ela tem que ir até o instituto.
Dona Marisa segue de trem.
Fantástico: Chegamos. Uma
hora e meia depois que a gente saiu da casa da senhora, né?
Dona Marisa: Isso.
Fantástico: Quantas vezes a
senhora veio até essa agência aqui do INSS?
Dona Marisa: Mais de 100
vezes. Eu venho pra marcar, depois eu venho pra passar na pericia. Depois, eu
venho pra buscar o resultado”.
Há dois meses, o
auxílio-doença, de cerca de R$700 por mês, foi cortado. Agora, ela depende da
filha. Na avaliação da previdência, dona Marisa não precisa se aposentar por
invalidez.
“Se ela não recebeu é porque
ela não, digamos, caracterizou essa invalidez”, explica Doris Ferreira,
coordenadora-geral de perícias médicas do INSS.
Ela teria condições de
voltar a trabalhar, então?
“Pelo menos foi esse o
parecer que a perícia médica deu”, responde.
Levamos os exames da dona
Marisa para o chefe da clínica médica da Universidade Federal de São Paulo.
Ele também atua como perito
da Justiça, em casos desse tipo.
“Ela tem um conjunto de
doenças, todas elas crônicas. É impossível essa pessoa trabalhar. Essa pessoa
deveria ser aposentada”, diz o médico Paulo Olzon.
A advogada da dona Marisa
briga na Justiça.
“É a melhor alternativa
devido a ter uma posição definitiva da situação que hoje ela se encontra”,
destaca Tatiane Aparecida dos Santos, advogada de dona Marisa.
“Tudo quanto é exame, eu
tenho e eles ainda colocam em dúvida. Eu acho que é muita humilhação”, afirma
Marisa Ferreira Sarto.
O INSS paga benefícios para
mais de 30 milhões de aposentados. Três milhões são por invalidez. Nesse caso,
a cada dois anos, o segurado tem que passar por perícia. Se não fizer, pode
perder o benefício. Segundo a lei, a aposentadoria deve ser cortada quando a
pessoa recupera a saúde e volta a trabalhar.
“Em qualquer tipo de
trabalho que possa trazer uma remuneração suficiente para o sustento, não é o
caso de manter a aposentadoria por invalidez”, ressalta Vanessa Vidutto,
advogada especialista em direito previdenciário.
“Se continuar a receber, aí
já é uma hipótese de fraude. Fraude contra a previdência social que é crime”,
destaca Wagner Barella.
De acordo com os
especialistas em direito previdenciário, essas regras também valem para o
serviço público.
O Senado não divulgou o
número de aposentados por invalidez.
A Câmara dos Deputados tem
199, de um total de 3124 aposentados. Cinco ex-parlamentares recebem o
benefício. Um deles é Francisco Gonçalves Filho, deputado entre fevereiro de
2003 e janeiro de 2007.
Duas semanas antes do fim do
mandato, ele pediu a aposentadoria, alegando uma doença grave no coração. Foi
avaliado pelos médicos da Câmara. Dois meses depois, ganhou o benefício. Hoje,
o valor chega a R$26.723.
Em 2012, Francisco foi um
dos pré-candidatos a prefeito de Divinópolis, Minas Gerais, onde mora
atualmente.
O médico Francisco -
conhecido como Chiquinho Parteiro - não parou de trabalhar depois que se
aposentou por invalidez. Ele atende aqui nesta clínica, no Centro de
Divinópolis.
O ex-deputado é ginecologista
e obstetra. Segundo uma paciente, ele trabalha muito. “Difícil passar um dia
sem fazer uma, duas cesáreas”, conta.
“Quanto está a consulta
particular?”, pergunta o produtor.
“R$250. Dependendo do
estado, a gente faz encaixe”, responde a atendente.
O ex-deputado aceitou dar
uma entrevista ao nosso produtor.
“O senhor acha correto
receber uma aposentadoria da câmara?”, questiona.
“Eu vou morrer trabalhando.
O meu ideal é morrer trabalhando e ajudando meu próximo. Faço cesariana, que é
um tipo de cirurgia, mas eu não tenho mais condições físicas de trabalhar. Eu
sofri dois enfartes quando eu estive na Câmara Federal. Muitas vezes, eu sou
obrigado a parar no meio da cirurgia pra deixar outro colega tomar conta da
minha paciente. Mas sob minha responsabilidade”, explica Francisco.
O diretor-geral falou em
nome da Câmara. Disse que Francisco Gonçalves Filho foi reavaliado no prazo
determinado por lei e ainda estava doente. E que seis meses depois de se
aposentar, o ex-deputado perguntou à Câmara se podia trabalhar como médico e
ser candidato a prefeito. A resposta foi "sim".
“No nosso entendimento,
ficou claro, com base nas decisões do Tribunal de Contas, que sim, que ele
poderia, estando aposentado, exercer uma atividade fora”, afirma Sérgio
Sampaio, diretor-geral da Câmara dos Deputados.
O Tribunal de Contas da
União discorda. Diz que decisões anteriores, para casos específicos, não podem
ser transformadas em regra geral. E que só autoriza o trabalho do aposentado
por invalidez em situações muito especiais e por um período curto. O TCU cita
alguns exemplos.
“Ele pode - excepcionalmente
- ser contratado para exercer alguma atividade pontual, técnica, especifica.
Ele pode dar uma palestra, numa área que ele seja de conhecimento profundo”,
destaca Alden Mangueira, secretário-geral da presidência do TCU.
A Câmara resolveu investigar
o caso do ex-deputado Francisco Gonçalves Filho.
“Está aberto um procedimento
para apurar a ilegalidade dessa situação e também já vamos chamá-lo aqui para
fazer uma nova perícia médica”, revela Sérgio Sampaio, diretor-geral da Câmara
dos Deputados.
Dona Marisa - a senhora
mostrada nessa reportagem que sofre de uma série de doenças - tem medo de
morrer sem conseguir a sua aposentadoria por invalidez.
“Eu já sei o que tá me
esperando só que eu não aceito. Eu não nasci pra perder. Eu nasci pra lutar,
pra vencer”, diz Marisa Ferreira Sarto.
Video: http://g1.globo.com/fantastico/videos/t/edicoes/v/aposentados-por-invalidez-do-senado-e-da-camera-continuam-a-trabalhar/2583823/?fb_action_ids=178144312345451%2C178142915678924&fb_action_types=og.likes&fb_source=other_multiline&action_object_map=%7B%22178144312345451%22%3A339022152890493%2C%22178142915678924%22%3A446788132074898%7D&action_type_map=%7B%22178144312345451%22%3A%22og.likes%22%2C%22178142915678924%22%3A%22og.likes%22%7D&action_ref_map=%5B%5D
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