O ex-jogador
deveria ver que o Brasil interessante é aquele que reafirma sua identidade, em
vez de apenas repetir lamúrias que lê na mídia grande
Por Helena Sthephanowitz
A dias da abertura da Copa do Mundo no
Brasil, o ex-jogador Ronaldo Nazário, um dos dirigentes do Comitê Organizador
Local, deu declarações desastradas sobre o evento e sobretudo sobre o país. Se
ainda estivesse na ativa, teria sido como chutar um pênalti para fora.
Não foi a declaração de voto e até quem
sabe de compor um eventual governo de Aécio Neves (PSDB-MG) que está em
questão: pois isso qualquer cidadão tem o direito de escolher e declarar. O
desastre foi falar que "sentia vergonha" do Brasil por atrasos em
obras da Copa.
Claro que quanto antes qualquer obra
ficar pronta, é sempre melhor e mais confortável, mas a Copa tem data certa
para começar e, desde que fique pronta no limite, não compromete o evento. É um
atraso dentro do tolerável, e isso pode ser motivo para algum estresse, mas não
é para vergonha.
Primeiro porque outros países que já
sediaram o evento também tiveram seus atrasos. Não é exclusividade do Brasil.
Segundo, porque nada disso que ocorre nos bastidores tira o brilho do evento
principal. É como espetáculos teatrais, onde a estreia bem-sucedida é o que
interessa, pouco importando os percalços ocorridos nos ensaios. É como se diz
no próprio futebol: treino é treino, e jogo é jogo.
É até pouco inteligente, para uma
pessoa que tem sua imagem profissional ligada ao futebol como Ronaldo, dar
destaque a aspectos negativos da preparação, em vez de se valorizar o próprio
evento em si. E é fraqueza se deixar abater com o que o ocorre nos ensaios, nos
preparativos.
Óbvio que um país-sede tem de cumprir
os compromissos de ter os estádios adequados, uma infraestrutura de comunicação
e segurança que suporte as necessidades, e estrutura de hospedagem e de
transporte suficientes, e tudo isso o Brasil teve a tempo. Fora isso, cada país
tem suas características e sua cultura, e não há nada do que se envergonhar.
Ronaldo deveria liberar um pouco mais o
Macunaíma que existe dentro dele e da alma brasileira, e ver que o Brasil
interessante é aquele que reafirma sua identidade, em vez de apenas imitar
padrões estrangeiros. Foi assim na Semana de Arte Moderna, no surgimento do
Cinema Novo e da Bossa Nova, é assim em comemorações populares como carnaval e
as festas juninas e assim é também no próprio estilo do futebol brasileiro,
chamado pelo mundo de futebol arte.
Cerca de 18 mil jornalistas virão
cobrir a Copa. Poucos chatos estarão interessados em procurar uma goteira em
aeroporto, ou no "making off" de Jérôme Valcke, ou nas lamúrias de
colunistas de jornais brasileiros que Ronaldo repete. Além da cobertura esportiva,
estarão interessados nas características do país, do povo, da cultura, das
diferenças, do modo de vida, da culinária.
Encontrarão um país democrático,
vibrante, onde as manifestações são livres, onde qualquer grupo pode protestar
pelos mais diversos motivos. Até contra a Copa. Com um povo diverso, desigual
no dia a dia, mas misturado na hora da festa nas ruas, como ocorre todo ano no
carnaval.
Sem qualquer ufanismo, as cidades sedes
proporcionam muito o que fazer para o turista e rende boas matérias para
qualquer correspondente estrangeiro. Convenhamos, o Brasil tem atrativos bem
mais interessantes do que têm a Coréia e o Japão, e há por aqui muito mais
diversidades do que na Alemanha. Tem tudo para ser uma Copa inesquecível e que
a expectativa se concretize é coisa que também está sob nossa responsabilidade.
É este lado da Copa que Ronaldo deveria
estar olhando. Senão por virtude, por esperteza, afinal ele ganha a vida sendo
garoto propaganda e empresariando promoções esportivas.
Fonte: Blog da Helena - Rede Brasil
Atual
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