É da essência dos regimes democráticos não terem necessidade de normatização especial para disciplinar as atividades da imprensa. Basta sujeitá-las às regras universais válidas para a regulação das condutas individuais e coletivas, assim, também, no tocante ao funcionamento do Estado. A democracia estaria exposta a duro golpe se conveniências ao largo do interesse público tivessem o poder de silenciar as vozes que as incomodam na mídia. É exemplo cediço, mas sempre é oportuno citá-lo. Em uma das democracias mais consolidadas do mundo — os Estados Unidos — a primeira emenda à Constituição, que data de 1787, proíbe o Congresso de aprovar leis limitativas da liberdade de expressão ou de imprensa.
Desde a promulgação da Carta Política de 1988, o Brasil voltou ao seio das nações abertas, afluentes, solidárias, depois de 21 anos de recesso das instituições democráticas. Mas ainda não se libertou de um dos entulhos autoritários remanescentes aos anos do consulado militar: a Lei de Imprensa, editada em 1967. Trata-se de estatuto que impõe restrições e punições severas à livre manifestação de pensamento e de expressão. Um rebento da ordem discricionária então vigente, explique-se, incompatível com as garantias essenciais asseguradas hoje na Constituição.
Provocado, o Supremo Tribunal Federal (STF), mediante medida liminar deferida pelo ministro Ayres Britto, em 21 de fevereiro, suspendeu a vigência de 20 artigos da lei editada durante o ciclo dos generais. A decisão atingiu, sobretudo, os preceitos que permitiam o fechamento de meios de comunicação sem autorização da Justiça e impunham penas excessivas para os crimes de injúria, calúnia e difamação praticados por jornalistas. Quarta-feira, a mais alta Corte de Justiça retomou a questão para declarar se a lei é por inteiro inconstitucional. A decisão final foi transferida para 15 de abril, com dois votos já apurados em favor da inconstitucionalidade da malsinada legislação.
Cumpre assinalar que todos os abusos ou crimes passíveis de serem cometidos em nome da liberdade de imprensa estão previstos no ordenamento jurídico. Quando a Constituição garante que é livre a manifestação do pensamento, logo opõe ressalva. “É assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”, diz. Afirma, também, que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Tais disposições estão inscritas no artigo 5º, incisos IV, V e X.
Quanto aos crimes de injúria, calúnia e difamação estão previstos, tipificados e punidos pelo Código Penal (artigos 138,139 e 140). Conclui-se, pois, que não há proveito de ordem moral, legal ou político apto a justificar a existência de lei específica para regulamentar o ofício jornalístico. Vale a lição do relator do processo no STF, ministro Ayres Britto, que propôs a revogação da lei despótica: “Em matéria de imprensa, não há espaço para o meio-termo. Ou ela é inteiramente livre ou dela já não se pode cogitar se não como jogo de aparência jurídica”.
Fonte: Editorial do Correio Braziliense de 05/04/2009
domingo, 5 de abril de 2009
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