quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

ARTIGO: A CAUSA PREJUDICIAL PENAL E A HERANÇA DOS MAUS ANTECEDENTES NO JUGALMENTO DA FARRA DAS DIÁRIAS


Ninguém sabe quem mais brilhou no episódio da “Farra das Diárias”, em Dianópolis-TO. Se o Ministério Público, que objetivou despertar a “República dos Advogados”, impávida e adormecida nos braços de Régis Melo, ou se os articuladores da defesa, que com os seus expedientes procrastinatórios, e poucos ortodoxos, desbordaram, ainda mais, a respeitável concepção aristotélica de justiça, de dar a cada um o que é seu, desde a Grécia antiga.

Alguém já dizia nos corredores dos Tribunais brasileiros, que, no Brasil, os advogados que querem atuar no lado obscuro da lei, nadam de braçada, pois as lacunas e brechas existentes no ordenamento jurídico dão-lhe o suporte necessário. É claro que magistrados menos temerosos, e não tardinheiros, como ensinava Rui Barbosa, conseguem conter essas aventuras jurídicas, aplicando multas pesadas, para demovê-los dessas práticas espúrias, consoante o silogismo da litigância de má-fé.

Insta salientar que o Estado do Tocantins, desde o seu nascimento convive sob a égide de arbitrariedades e desmandos, conforme nos narra o jornalista Rinaldo Campos de Oliveira, em sua esclarecedora obra, “O Ditador do Cerrado”. Sabe-se, que a partir desses paradigmas, órgãos e poderes foram instalados, para cumprirem caprichos de um mandatário. É sempre bom lembrar, que a autonomia e independência entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, em que pese a chave dos cofres permanecer nas mãos do Governo, constitui uma realidade, com o silogismo tripartite na Constituição Estadual, que reproduziu literalmente o art. 2º da Carta Magna de 1988.

A partir da ciência destes aspectos e antecedentes tocantinenses, certamente, muitos legitimados para os recursos, no TRE, tal como o esperado Mandado de Segurança Preventivo Contra a Expedição de um Diploma, se desmotivam, como se conhecessem de antemão o teor da decisão. Todavia, são cônscios da gravidade do ato de diplomação, que habilita um candidato a exercer o mandato. Pois, este ato gera direitos, como por exemplo, o estabelecimento do foro criminal pela prerrogativa da função, além de criar uma situação de manifesta insegurança jurídica.

Se, no dia 18.12.2012, haverá ou não diplomação ao candidato Régis Melo, e conseqüente posse no dia 01.01.2013, não se pode afirmar categoricamente. Mas, um aspecto deve ficar bem claro. As eleições atípicas de 07.10.2012, em Dianópolis-TO, que culminaram com o maior número de votos para o referido candidato, não traduzem a vontade da maioria, pois o somatório de votos obtidos, por este, atingem, no máximo, 30% do eleitorado. Some-se a este aspecto, o fato de que mais de 2.200 eleitores se abstiveram de participar no pleito. Saliente-se, por fim, que segundo os regramentos da Ficha Limpa e julgados do Tribunal Superior Eleitoral, o aludido candidato, com os antecedentes que possui, jamais poderia ter chegado onde chegou, num pleito eleitoral. Enfim, constitui balela o ultrapassado argumento de se respeitar a democracia ou vontade declarada pelas urnas. Senão o prefeito de Taipas, não seria cassado, e outras centenas de prefeitos eleitos no Brasil não passariam, e irão passar pelo mesmo processo. Quem deu causa a situação e processos, não fomos nós, certamente. É tempo de higienização do processo político eleitoral!

Duas questões, de cunho jurídico processual, merecem melhor análise, no contexto da “Farra das Diárias”. Uma, o efeito produzido pela ação criminal de n.º 2012.0003.9840-8, em trâmite pela 1ª vara criminal de Dianópolis-TO como causa prejudicial heterogênea penal, ao processo eleitoral de diplomação do candidato Régis. Temos observado, que existindo um processo cível, que tramita simultaneamente com outro criminal, envolvendo partes semelhantes, para evitar decisões conflitantes, onde a decisão criminal poderá produzir reflexos no processo cível, deveria ser suspenso o processo cível, até o julgamento da ação criminal, na medida em que a ação penal poderá refletir, com o seu julgamento, na ação civil.

Nunca é tarde lembrar, que os dispositivos do Código de Processo Civil se aplicam subsidiariamente ao Processo Eleitoral. E, neste particular, cabe transcrever a lição de alguns dispositivos, no contexto da conexão e causa prejudicial heterogênea.

Art. 76. A competência será determinada pela conexão:

[...]

III - quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.

 

                                    O Código Eleitoral, no seu artigo 364, estabelece que:

Art. 364. No processo e julgamento dos crimes eleitorais e dos comuns que lhes forem conexos, assim como nos recursos e na execução que lhes digam respeito, aplicar-se-á, como lei subsidiária ou supletiva, o Código de Processo Penal.

            O Código de Processo Penal, por sua vez, dispõe, no que se refere à conexão entre a jurisdição comum e a especial a prevalência desta (art. 78, IV, do CPP).  Conclui-se, portanto, que a Justiça Eleitoral, em sendo uma justiça especializada, exerce a vis attractiva quando o ilícito penal eleitoral for praticado em conexão com ilícito penal de natureza comum.

Não se deve ignorar que as instâncias civil, penal e administrativa são autônomas e independentes entre si. Todavia, a título de ilustração, o julgamento de mérito, numa ação penal, reconhecendo a existência de excludentes, como legítima defesa, ou a inexistência de comprovada materialidade e autoria, podem extinguir o processo civil de indenização, envolvendo as mesmas partes, segundo a lógica da causa prejudicial heterogênea penal. De outro lado, se o processo criminal fosse extinto por ausência de provas, ou abandono das partes, não geraria o arquivamento do processo cível, inexistindo, portanto os efeitos da causa prejudicial penal.

Outra questão, que deve ficar bastante clara, no tocante à possível diplomação do candidato Régis de Melo, diz respeito às Ações de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), Representação nº 382-39.2 (012.6.27.0025) e Representação nº 383-24.2 (012.6.27.0025), onde, no transcurso da campanha, divulgando pesquisas, para manipulação da opinião dos eleitores e captação ilícita de votos, foi condenado. Assim, o fato de ter pago o valor da multa arbitrada, não lhe restaura a condição de réu primário, e nem tampouco oculta os seus maus antecedentes, segundo a lição da Lei da Ficha Limpa.

A Lei de Ficha Limpa, (Lei Complementar n. 135-10) impede que pessoas condenadas em decisão colegiada se candidatem a cargos eletivos. No mesmo passo, torna inelegíveis aqueles detentores de cargos públicos, que beneficiarem a si ou a terceiros, pelo abuso do poder econômico ou político.

Reflita-se, por fim, que desejar dar autonomia e independência ao processo de diplomação eleitoral, ignorando às questões próximas que lhes produzam reflexos, é ignorar a própria exigência da legislação, quanto aos requisitos que deve estar investido o candidato, para este processo. Exalte-se que, quando o candidato Régis Melo foi afastado de seu cargo, por decisão liminar, o grande mote da defesa foram exatamente os reflexos que a decisão, no processo criminal, em discussão, poderia prejudicá-lo. Agora, o mesmo processo, em sua decisão de mérito, não pode mais gerar nenhum efeito para o referido processo de diplomação. Os fatos e condutas estão interligados e produzem reflexos eleitorais inescondíveis. No início da campanha, o mencionado candidato é afastado de suas funções, como vereador, numa decisão liminar. Durante a realização da mesma campanha, sofre outra condenação, por induzir o eleitor, por meio de pesquisa fraudulenta. Mais indícios, provas, para adequação aos dispositivos da Ficha Limpa, somente a voz de Deus, para formação de convencimentos necessários!

Se o julgamento da “Farra das Diárias” vai terminar ou não em pizza, saibam os senhores eleitores e cidadãos, que residem em Dianópolis-TO, que muitos podem até ter feito vistas grossas, diante dos seus interesses particulares, conveniência, emprego ou cargo de um familiar, em detrimento dos interesses da coletividade. Todavia, na propalada “República dos Advogados”, muitos continuam vigilantes, no aguardo de que o império das Leis, no estado democrático de direito, torne-se uma realidade, porque estado de exceção nunca foi, e nem tampouco, será instaurado na honrada São José do Duro. Registre-se, pois, esta Terra, conforme se lê nos dizeres do pavilhão “co yvy ore retama”, ainda é nossa. Pois, o sangue da sua independência política, derramado pelos nossos antepassados, ainda estão nas paredes e solo sagrado da Capelinha dos Nove.

ZILMAR WOLNEY AIRES FILHO - Advogado e Professor Universitário, Especialista- em Processo Civil e Mestre em Direito. Titular da cadeira n. 16 da Academia de Letras de Dianópolis-TO.

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