Ninguém sabe quem mais
brilhou no episódio da “Farra das Diárias”, em Dianópolis-TO. Se o Ministério
Público, que objetivou despertar a “República dos Advogados”, impávida e
adormecida nos braços de Régis Melo, ou se os articuladores da defesa, que com
os seus expedientes procrastinatórios, e poucos ortodoxos, desbordaram, ainda
mais, a respeitável concepção aristotélica de justiça, de dar a cada um o que é
seu, desde a Grécia antiga.
Alguém já dizia nos
corredores dos Tribunais brasileiros, que, no Brasil, os advogados que querem
atuar no lado obscuro da lei, nadam de braçada, pois as lacunas e brechas
existentes no ordenamento jurídico dão-lhe o suporte necessário. É claro que
magistrados menos temerosos, e não tardinheiros, como ensinava Rui Barbosa,
conseguem conter essas aventuras jurídicas, aplicando multas pesadas, para
demovê-los dessas práticas espúrias, consoante o silogismo da litigância de
má-fé.
Insta salientar que o Estado
do Tocantins, desde o seu nascimento convive sob a égide de arbitrariedades e
desmandos, conforme nos narra o jornalista Rinaldo Campos de Oliveira, em sua
esclarecedora obra, “O Ditador do Cerrado”. Sabe-se, que a partir desses
paradigmas, órgãos e poderes foram instalados, para cumprirem caprichos de um mandatário.
É sempre bom lembrar, que a autonomia e independência entre os Poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário, em que pese a chave dos cofres permanecer
nas mãos do Governo, constitui uma realidade, com o silogismo tripartite na
Constituição Estadual, que reproduziu literalmente o art. 2º da Carta Magna de
1988.
A partir da ciência destes
aspectos e antecedentes tocantinenses, certamente, muitos legitimados para os
recursos, no TRE, tal como o esperado Mandado de Segurança Preventivo Contra a
Expedição de um Diploma, se desmotivam, como se conhecessem de antemão o teor
da decisão. Todavia, são cônscios da gravidade do ato de diplomação, que
habilita um candidato a exercer o mandato. Pois, este ato gera direitos, como
por exemplo, o estabelecimento do foro criminal pela prerrogativa da função,
além de criar uma situação de manifesta insegurança jurídica.
Se, no dia 18.12.2012,
haverá ou não diplomação ao candidato Régis Melo, e conseqüente posse no dia
01.01.2013, não se pode afirmar categoricamente. Mas, um aspecto deve ficar bem
claro. As eleições atípicas de 07.10.2012, em Dianópolis-TO, que culminaram com
o maior número de votos para o referido candidato, não traduzem a vontade da
maioria, pois o somatório de votos obtidos, por este, atingem, no máximo, 30%
do eleitorado. Some-se a este aspecto, o fato de que mais de 2.200 eleitores se
abstiveram de participar no pleito. Saliente-se, por fim, que segundo os
regramentos da Ficha Limpa e julgados do Tribunal Superior Eleitoral, o aludido
candidato, com os antecedentes que possui, jamais poderia ter chegado onde
chegou, num pleito eleitoral. Enfim, constitui balela o ultrapassado argumento
de se respeitar a democracia ou vontade declarada pelas urnas. Senão o prefeito
de Taipas, não seria cassado, e outras centenas de prefeitos eleitos no Brasil
não passariam, e irão passar pelo mesmo processo. Quem deu causa a situação e
processos, não fomos nós, certamente. É tempo de higienização do processo
político eleitoral!
Duas questões, de cunho
jurídico processual, merecem melhor análise, no contexto da “Farra das
Diárias”. Uma, o efeito produzido pela ação criminal de n.º 2012.0003.9840-8,
em trâmite pela 1ª vara criminal de Dianópolis-TO como causa prejudicial
heterogênea penal, ao processo eleitoral de diplomação do candidato Régis.
Temos observado, que existindo um processo cível, que tramita simultaneamente
com outro criminal, envolvendo partes semelhantes, para evitar decisões
conflitantes, onde a decisão criminal poderá produzir reflexos no processo
cível, deveria ser suspenso o processo cível, até o julgamento da ação
criminal, na medida em que a ação penal poderá refletir, com o seu julgamento,
na ação civil.
Nunca é tarde lembrar, que
os dispositivos do Código de Processo Civil se aplicam subsidiariamente ao
Processo Eleitoral. E, neste particular, cabe transcrever a lição de alguns
dispositivos, no contexto da conexão e causa prejudicial heterogênea.
Art. 76. A competência será
determinada pela conexão:
[...]
III - quando a prova de uma
infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de
outra infração.
O Código
Eleitoral, no seu artigo 364, estabelece que:
Art. 364. No processo e
julgamento dos crimes eleitorais e dos comuns que lhes forem conexos, assim
como nos recursos e na execução que lhes digam respeito, aplicar-se-á, como lei
subsidiária ou supletiva, o Código de Processo Penal.
O Código de Processo Penal, por sua
vez, dispõe, no que se refere à conexão entre a jurisdição comum e a especial a
prevalência desta (art. 78, IV, do CPP).
Conclui-se, portanto, que a Justiça Eleitoral, em sendo uma justiça
especializada, exerce a vis attractiva quando o ilícito penal eleitoral for
praticado em conexão com ilícito penal de natureza comum.
Não se deve ignorar que as
instâncias civil, penal e administrativa são autônomas e independentes entre
si. Todavia, a título de ilustração, o julgamento de mérito, numa ação penal,
reconhecendo a existência de excludentes, como legítima defesa, ou a
inexistência de comprovada materialidade e autoria, podem extinguir o processo
civil de indenização, envolvendo as mesmas partes, segundo a lógica da causa
prejudicial heterogênea penal. De outro lado, se o processo criminal fosse
extinto por ausência de provas, ou abandono das partes, não geraria o
arquivamento do processo cível, inexistindo, portanto os efeitos da causa
prejudicial penal.
Outra questão, que deve
ficar bastante clara, no tocante à possível diplomação do candidato Régis de
Melo, diz respeito às Ações de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE),
Representação nº 382-39.2 (012.6.27.0025) e Representação nº 383-24.2
(012.6.27.0025), onde, no transcurso da campanha, divulgando pesquisas, para
manipulação da opinião dos eleitores e captação ilícita de votos, foi
condenado. Assim, o fato de ter pago o valor da multa arbitrada, não lhe
restaura a condição de réu primário, e nem tampouco oculta os seus maus
antecedentes, segundo a lição da Lei da Ficha Limpa.
A Lei de Ficha Limpa, (Lei
Complementar n. 135-10) impede que pessoas condenadas em decisão colegiada se
candidatem a cargos eletivos. No mesmo passo, torna inelegíveis aqueles
detentores de cargos públicos, que beneficiarem a si ou a terceiros, pelo abuso
do poder econômico ou político.
Reflita-se, por fim, que
desejar dar autonomia e independência ao processo de diplomação eleitoral,
ignorando às questões próximas que lhes produzam reflexos, é ignorar a própria
exigência da legislação, quanto aos requisitos que deve estar investido o
candidato, para este processo. Exalte-se que, quando o candidato Régis Melo foi
afastado de seu cargo, por decisão liminar, o grande mote da defesa foram
exatamente os reflexos que a decisão, no processo criminal, em discussão,
poderia prejudicá-lo. Agora, o mesmo processo, em sua decisão de mérito, não
pode mais gerar nenhum efeito para o referido processo de diplomação. Os fatos
e condutas estão interligados e produzem reflexos eleitorais inescondíveis. No
início da campanha, o mencionado candidato é afastado de suas funções, como
vereador, numa decisão liminar. Durante a realização da mesma campanha, sofre
outra condenação, por induzir o eleitor, por meio de pesquisa fraudulenta. Mais
indícios, provas, para adequação aos dispositivos da Ficha Limpa, somente a voz
de Deus, para formação de convencimentos necessários!
Se o julgamento da “Farra
das Diárias” vai terminar ou não em pizza, saibam os senhores eleitores e
cidadãos, que residem em Dianópolis-TO, que muitos podem até ter feito vistas
grossas, diante dos seus interesses particulares, conveniência, emprego ou cargo
de um familiar, em detrimento dos interesses da coletividade. Todavia, na
propalada “República dos Advogados”, muitos continuam vigilantes, no aguardo de
que o império das Leis, no estado democrático de direito, torne-se uma
realidade, porque estado de exceção nunca foi, e nem tampouco, será instaurado
na honrada São José do Duro. Registre-se, pois, esta Terra, conforme se lê nos
dizeres do pavilhão “co yvy ore retama”, ainda é nossa. Pois, o sangue da sua
independência política, derramado pelos nossos antepassados, ainda estão nas
paredes e solo sagrado da Capelinha dos Nove.
ZILMAR WOLNEY AIRES FILHO -
Advogado e Professor Universitário, Especialista- em Processo Civil e Mestre em
Direito. Titular da cadeira n. 16 da Academia de Letras de Dianópolis-TO.
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