Nas últimas eleições
municipais, milhões de brasileiros compareceram às urnas e demonstraram que
temos que comemorar nossa democracia de massas. Entretanto, mais uma vez ficou
evidente que está passando da hora de tratarmos de um tema de importância estratégica
para o fortalecimento da democracia brasileira: a reforma política e eleitoral.
Precisamos, no Congresso,
retomar o processo de votação do parecer do deputado Henrique Fontana (PT-RS),
relator da Comissão Especial da Reforma Política. Um dos temas centrais é o
financiamento público das campanhas.
Essa modalidade de
financiamento trará grandes vantagens à nossa democracia. Campanhas mais
baratas, mais debates em torno de pontos programáticos, fim de milionárias
campanhas. Adicionalmente, uma trava à fonte de inúmeros escândalos políticos
que de forma recorrente surgem na mídia. Todos eles com uma mesma matriz: o
envolvimento de empresas privadas no financiamento de campanhas. Há relações
complicadas entre essas empresas, Estado e os três níveis de poder.
Esses fatos têm conexão
direta com o esgotamento do modelo político e eleitoral em vigor desde a
Constituição de 1988. Não há como dissociar o financiamento privado das
campanhas eleitorais de um quadro nebuloso onde se misturam interesses públicos
e privados.
Podemos citar as
investigações da Polícia Federal nas operações Vegas e Monte Carlo, que
desvendaram os tentáculos da organização criminosa do contraventor Carlos
Cachoeira. Deixaram evidente que uma
rede criminosa capturou boa parte das instituições do estado, a partir de
evidentes esquemas de financiamento de campanhas eleitorais.
Uma rede que envolveu até
segmentos da imprensa, que se associaram a um grupo mafioso, com interesses
condenáveis.
Esse e outros casos mostram
que chegou a hora de debater a questão, de forma mais nítida, com a sociedade
em geral; não podemos ficar reféns da hipocrisia de que dinheiro público não
pode ser utilizado para o financiamento das campanhas. Alguns setores querem
interditar esse debate, com certeza porque se beneficiam do modelo atual, e
coloca os legislativos — nos níveis municipal, estadual e federal — numa posição de dependência do poder
econômico e ao sabor de suas pressões. É um modelo que fomenta escândalos e crises
e lança permanentemente uma suspeição sobre todo o mundo da política.
A influência do poder
econômico tem contribuído para inibir o aparecimento de novas lideranças
políticas. Milhares de pessoas que poderiam ter um excelente papel a
desempenhar, em todos os cargos eletivos, em todos os níveis, afastam-se da política porque não têm como
arcar com o financiamento de campanhas de altíssimo valor
A mecânica da máquina
eleitoral em funcionamento gera campanhas milionárias e praticamente empurra
candidatos a buscar recursos financeiros junto a empresas. Se o espetáculo é do
marketing, em detrimento do debate programático, naturalmente os custos
aumentam.
O financiamento público
estabelece limites e reforça o principio de que os candidatos devem ser eleitos
em torno de programas e propostas. Sem perfumarias, sem o verniz de milionárias
operações de marketing. Distorce-se assim um conceito basilar da democracia,
pois se há mais recursos financeiros para um candidato, ele estará com mais
exposição que outro sem acesso às fontes de financiamento privado.
Muitas vezes, numa campanha
eleitoral a pessoa vota em quem é conhecido, porque tem visibilidade maior na
mídia ou porque é exposto de uma ou outra forma. Assim, torna-se secundário o
que é importante para o País e a sociedade. O modelo atual, com pouca densidade
nos debates e questões centrais relacionadas aos interesses da sociedade, é uma anomalia.
Com o poder do grande
capital, abre-se o caminho para o estabelecimento de uma espécie de
plutocracia, um sistema político no qual o poder é exercido pelo grupo mais
rico. Os partidos de esquerda e de base popular naturalmente não têm acesso a
essas fontes de recursos. O sistema de
financiamento privado foi criado justamente para impedir a vitória desses
partidos progressistas, de origem popular.
O financiamento público
permite que todos os partidos e candidatos possam defender suas ideias e fazer
campanha em grau de igualdade. Permite
discutir plataformas, programa de governo e ainda explicitar os custos do
sistema político, não os transferindo para o Estado, via contratos. O
compromisso do eleito, seja em que esfera for, será com o eleitor. A mudança,
mesmo que não seja perfeita, ajudará a limitar as fraudes e facilitará a
fiscalização.
A proposta de Henrique
Fontana contempla essas preocupações, aponta saídas e reforça o papel dos
partidos, pelo sistema de lista de candidatos, com a adoção do voto em lista
flexível. Inclui também a fidelidade partidária, modificação na regra de
suplência de senadores; o fim das coligações nas eleições legislativas e a coincidência
de eleições.
O Congresso está diante do
desafio de aprovar novas regras que vão oxigenar nossa democracia e atualizar
um modelo político-eleitoral que já deu inúmeras mostras de esgotamento.
Jilmar Tatto é deputado
federal (PT-SP) e líder do partido na Câmara
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