segunda-feira, 23 de março de 2009

Entrevista - Donizete Nogueira: "O governo nunca foi parceiro do PT"


Iniciado em 2006, o estranhamento entre PT e governo do Estado chegou, enfim, às "vias de fato": na última semana o Partido dos Trabalhadores anunciou que vai fazer oposição à administração de Marcelo Miranda. A declaração provocou grande polêmica na política tocantinense, principalmente devido à proximidade de mais um pleito estadual e à formação de um novo cenário político. Depois da falta de acordo para as eleições estaduais, a crise entre ambos só piorou nas eleições de 2008, quando, segundo Donizeti Nogueira, presidente regional do PT, o governo tratou o PT não só como adversário, mas como um inimigo.

Nesta entrevista exclusiva à Tribuna do Planalto, Nogueira explica que, antes de optar pelo rompimento, o partido realizou seminários e ouviu seus principais dirigentes. O petista fala ainda sobre a situação dos membros que discordam da decisão, sobre as eleições de 2010 e sobre a aproximação com grupos políticos como a União do Tocantins, deixando muitas mensagens nas entrelinhas. Uma delas é em relação ao vice-governador Paulo Sidnei (PPS).


Tribuna do Planalto - Por que o PT decidiu se declarar oposição ao governo?
Donizeti Nogueira - Na verdade, não foi uma mudança. Ficou nítida uma situação que já existia nos bastidores. O governo do Estado sempre foi oposição ao PT, pra trocar o lado da moeda, pois não tem sido parceiro do PT, dos prefeitos do PT, em sua grande maioria. O processo eleitoral revelou isso: que o governo desenvolveu uma tática para poder derrotar o PT. Então existia nos bastidores uma situação não declarada de oposição. O PT estava ainda em uma posição de não declarar isso. Agora declarou que é oposição. E o partido é oposição em decorrência do modo como o governo procede em relação aos prefeitos e pela ausência de um projeto de desenvolvimento sustentável ambiental, social e para gerar prosperidade para todos os tocantinenses. Em determinado momento, acreditamos que esse governo poderia representar mudança. Mas temos concluído que esse governo não tem representado mudança nenhuma.

Há algum resquício das duas últimas eleições, 2006 e 2008, quando PT e governo não conseguiram se entender numa coligação?
Do nosso lado não. Nas eleições de 2006 o PT não participou da campanha do governador Marcelo Miranda (PMDB), embora muitos petistas o tenham apoiado. Nesse aspecto a gente considera que a posição do PT em 2006 foi correta, uma vez que não podíamos participar da coligação inutilmente e buscamos outra coligação com o PC do B. De lá para cá, nós, nas prefeituras, procuramos ter com o governo Marcelo Miranda uma relação institucional madura, serena, em defesa dos interesses da população. Já em relação às eleições de 2008, não existe um resquício na verdade. É que as eleições do ano passado revelaram duas coisas para nós. Por um lado, o resultado da eleição deixou claro que o poder está bem distribuído no Estado; não há mais uma força hegemônica, e sim dois grupos fortes: União do Tocantins e governo. Hoje, o poder está bem distribuído e o PT tem uma parcela significativa desse poder; governa municípios importantes, para cerca de 300 mil tocantinenses e está em outros governos; o PT tem 12 vice-prefeitos em prefeituras de outros partidos. O outro ponto importante que ficou claro é que o governo Marcelo Miranda era inimigo do PT. O tratamento que recebemos na eleição de 2008 não foi um tratamento só de adversário, pois toda estratégia do PT de eleição dos seus prefeitos foi tratada pelo Palácio Araguaia como uma necessidade de ser derrotada. Palmas, Colinas, Dianópolis e Guaraí são alguns exemplos. O que sobrou da eleição foi isso. O governo não queria mesmo nada do PT, e queria ver o partido ser diminuído. Mas o PT se saiu bem nas eleições. Hoje não estamos pensando no que passou. Estamos analisando o presente para pensar o futuro. Nossa tarefa agora é discutir com a sociedade tocantinense a mudança do conceito de crescimento econômico para o conceito de desenvolvimento econômico social. Vamos discutir como reparar as dívidas históricas do desenvolvimento social, como minimizar os impactos ambientais e sociais com a construção de vários projetos e que a construção da Ferrovia Norte-Sul seja articulada num sistema de produção, para que ela tenha o que transportar.

Esse plano de desenvolvimento já seria uma prévia do plano de governo para 2010?
Nós queremos ser mais ousados. Vamos analisar o que foi feito nos últimos 20 anos, o que deveria ter sido feito e não foi feito, e vamos projetar o Tocantins por mais 20 anos. Vamos realizar um seminário em Palmas e queremos discutir o Brasil e o Tocantins. Em seguida, vamos fazer mais 13 seminários macrorregionais, e em cada unidade vamos analisar o que passou e projetar o Estado para mais 20 anos. É o que estamos chamando de Tocantins 2030.

Depois de se declarar oposição, o PT tem recebido críticas. O secretário estadual de Governo, Manoel Bueno, emitiu nota dizendo que isso é algo isolado, ou seja, uma decisão somente do senhor, já que há líderes do partido contrários ao rompimento. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
Provavelmente o secretário Manoel Bueno, uma pessoa que respeito muito, não tem a informação correta. Para tomar essa decisão fizemos 13 encontros macrorregionais e que reunimos mais de 500 dirigentes do PT de 91 municípios. Todas as macrorregionais, com exceção de uma ou outra voz dissonante, aprovaram que o PT deveria romper com o governo, em função de tudo que estamos vivendo. Os prefeitos do PT, os vereadores e a deputada estadual Solange Duailibe foram favoráveis. O deputado Manoel Queiroz não tem sido favorável e o ex-prefeito de Porto Nacional Paulo Mourão nunca foi favorável. Mas o partido de Norte a Sul aprovou isso. Não impusemos em nenhum município que o PT quebrasse compromissos nas eleições de 2008, como foi quebrado em Guaraí - havia uma discussão interna de que o PMDB apoiaria o prefeito Padre Milton e depois isso foi quebrado. Foi tomada uma decisão democrática: de 41 membros do diretório, 37 estavam presentes e 36 votaram a favor.

O governador Marcelo Miranda e outros membros do PMDB teriam dito ainda que a oposição do PT se estende não só ao governo, mas a todo o partido. Como está a discussão dentro do PT em relação a isso?
A população entende melhor do que o governador essa situação. No Brasil, temos o PMDB na base do presidente Lula, mas temos pessoas do PMDB contra o governo do presidente Lula pelo Brasil afora. Estamos nos opondo ao governo estadual, à forma de governar, à ausência de um projeto de desenvolvimento que integre investimento na infra-estrutura e nas pessoas. Isso é natural. Não queremos, como disse a deputada estadual Josi Nunes, que é líder do governo, romper as discussões com o PMDB. Temos desde 1992 um diálogo muito bom com o PMDB. Isso foi construído ao longo dos anos, com o setor do PMDB que foi contra a ditadura, que enfrentou a hegemonia siqueirista aqui... Tanto é que o PMDB participa do governo que ajudou a conquistar, como aqui em Palmas. Temos um diálogo bom com um setor do PMDB e não queremos fechar as portas.

E como fica a relação com o vice-governador Paulo Sidnei (PPS), já que ele tem sido um bom aliado do PT, mas é governo?
Bom, claro que a relação com o vice-governador Paulo Sidnei depende muito mais dele do que de nós. Também temos desde 1992 uma aliança com o PPS no Estado. O PPS estava presente com PMDB, PDT, PT, PCdoB, quando, em Araguaína, assinamos uma carta, acho que em 1993, chamada Carta de Araguaína, que é um projeto desses partidos de construir juntos uma alternativa de poder no Estado. Então queremos e pretendemos manter aberto todo e qualquer diálogo com o vice-governador e com o PPS.

Mesmo ele sendo governo hoje?
O governo é um todo, mas estamos separando o PPS e o Paulo Sidnei, devido à relação histórica que temos com ele. Não queremos fechar essas portas do diálogo. Hoje o que está em questão é o governo. Paulo Sidnei está pensando numa possibilidade a partir de 2010 e não estamos colocando 2010 na pauta. Estamos abertos a discutir 2010 com PMDB, PCdoB, PTB, PRB, PP, PDT, enfim, todos os partidos da base do presidente Lula.

Com esse rompimento com o governo estadual, o PT ficaria mais próximo dos partidos da União do Tocantins?
Não se trata de ficar mais próximo ou mais longe. Trata-se de que somos oposição e em alguns pontos iremos nos identificar com os partidos da União do Tocantins. Mas não estamos formando um bloco. Certamente, em alguns pontos considerados relevantes para a sociedade tocantinense, nós vamos votar com o governo; não vamos travar a pauta como fazem partidos da base do governo Marcelo Miranda no Congresso Nacional - travam a pauta para prejudicar o governo do presidente Lula. Aqui todas as matérias serão discutidas e naquelas consideradas de interesse da população o governo terá o voto do PT. Não podemos responder pela posição da UT. Vamos estar juntos no Estado tanto com eles quanto com o governo para trabalhar pelo Estado, mas não formamos um bloco com eles.

Essa decisão do PT não poderia provocar um racha no partido, já que alguns membros, como o ex-prefeito Paulo Mourão e o deputado Manoel Queiroz, não concordam com tal posicionamento?
Não haverá racha no PT. O partido é uma instituição construída a partir de muito debate e essa posição está sendo debatida há dois anos. No meu ponto de vista, pode haver dissidência de um ou outro. Fui comunicado hoje (quinta, 19) que o ex-prefeito Paulo Mourão pediu sua desfiliação do PT. Compreendo a sua decisão porque ele foi um petista sempre articulado com o Palácio Araguaia na defesa dos interesses do povo de Porto Nacional, onde ele fez um governo extraordinário. E, certamente, ele ficou numa posição incômoda, então é natural que saia. Agora, os petistas de trajetória na construção do PT não sairão. Eles continuarão debatendo porque existe um princípio fundamental no PT que é a democracia interna. Faz-se a discussão e a maioria ganha e a minoria acata. Por muitas e muitas vezes na minha luta no PT fui voto derrotado e nunca saí do PT.

E quanto ao deputado Manoel Queiroz?
O deputado Manoel Queiroz vai se adequar a essa situação. A gente compreende que ele era governista até então, porque o PT não havia tomado essa posição, mas espera-se que ele se adapte à nova situação de oposição e que o governo compreenda isso, pois temos de separar a relação institucional da relação partidária, assim como o governo Lula separa. A gente compreende que na política existem as razões de Estado, as razões de governo e as razões de partido. As razões de Estado sobrepõem às de governo e essas às de partido. Neste momento as razões do partido se sobrepõem às razões do mandato do deputado Manoel Queiroz, então ele precisa estar submetido a esse debate, até porque o mandato dele é do partido.

Nesta reunião realizada pelo partido ficou definido também que o PT terá candidato próprio a governo em 2010?
O PT discutiu a conjuntura e definiu que o PT trabalha para ter candidato em 2010. Aí vem a pergunta: quem será o candidato? Trabalhamos primeiro a ideia de construir os instrumentos, ou seja, construir as ferramentas que podem instrumentalizar o candidato a debater com a sociedade. Então, vamos primeiro realizar esse seminário, trabalhar a construção das diretrizes básicas, o projeto de desenvolvimento para o Estado e depois vamos pensar no nome do candidato.

Mas o melhor nome que o PT tem hoje é o do prefeito Raul Filho...
O prefeito Raul Filho é uma liderança e não só do PT. Ele saiu das eleições de 2008 fortalecido, por razões que o PT administrou e por razões que os adversários administraram. Ao disputar as eleições em Palmas tendo como adversário um governo, três ex-governadores, e ganhando a eleição, isso só fortaleceu Raul Filho. Mas ele não é o único. As pessoas até dizem: "O PT não tem outro nome que possa aglutinar". Aparentemente não. Mas eleição não funciona assim. Já houve eleição em que o cara sai do anonimato e vira governador, como ocorreu em Goiás com Marconi Perillo. Hoje, o PT não quer discutir um nome. Ficou combinado que o PT não vai discutir isso agora, até porque não queremos ter um candidato só do PT; queremos ter um candidato do PT apoiado por outras correntes políticas com as quais queremos continuar dialogando. No final vamos avaliar qual o melhor candidato para este novo momento que o Tocantins está vivendo. Neste momento vence um ciclo da bipolarização entre Siqueira [Campos, ex-governador] e as oposições, e começa um novo ciclo onde o poder está mais bem distribuído. O PT se considera em condições de lançar candidato a governador, mas quer discutir com lideranças como o senador João Ribeiro (PR), com o vice-governador Paulo Sidnei, com o ex-vice-prefeito Derval de Paiva (PMDB), uma grande liderança neste Estado. Queremos discutir com eles, assim como com PDT, PSB, PPS, PMDB, enfim com todos os partidos que formam a base do presidente Lula, pois 2010 é ano também de eleger um novo presidente e queremos que este projeto continue.

Fonte: Jornal Tribuna do Planalto

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