segunda-feira, 29 de abril de 2013

Após 25 anos, Tocantins se divide entre safra recorde e miséria da população


LEONENCIO NOSSA, ENVIADO ESPECIAL - O Estado de S.Paulo

É tempo de silos cheios no Tocantins. A safra recorde de soja, porém, só traz para dentro das casas de palha a poeira do tráfego intenso de carretas duplas, tratores suecos e caminhonetes de luxo nas estradas de terra que cortam o horizonte que parece colar no céu de azul intenso.

Um quarto de século depois de sua criação, o Estado mais novo do País acumula profundas desigualdades econômicas. A fome e a anemia de crianças e adultos contrastam com a potência das colheitadeiras de última geração dos parceiros das gigantes Algar, Bunge e Cargill. A mortalidade infantil aumenta no ritmo da expansão da área agrícola na planície avermelhada.

O Estado foi criado na Constituinte de 1988 por esforço pessoal do deputado federal José Wilson Siqueira Campos, um ex-mascate e seringueiro que migrou do sertão cearense para o Norte de Goiás e, ainda no tempo da Arena, na ditadura militar, iniciou uma campanha com greves de fome para desmembrar a região.

Tocantins não conseguiu transferir para a população parte da riqueza dos grãos que avançam sem percalços o cerrado e chapadas. Nas cidades do Estado, o porcentual de pessoas na pobreza e na indigência ultrapassa 60%. Inspirado na ideia do projeto de Brasília, Tocantins só pode ser comparada com o Distrito Federal na gastança de dinheiro público. Não acompanhou o avanço dos índices sociais do restante do Brasil, vive uma realidade semelhante à do vizinho Maranhão e cumpriu apenas o objetivo de sua instalação: servir de feudo para um grupo que gira em torno de Siqueira.

Dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) mostram um crescimento "chinês" na produção tocantinense da oleaginosa exportada em sua maior parte para o gigante asiático: a safra 2012/2013 terá um aumento de 21,2% na colheita, atingindo 1,68 milhão de toneladas.

O casal Raimunda Batista, 38 anos, e Pedro Gomes, 40, sai todas as manhãs para capinar nas fazendas ainda não tomadas pelas "moscas gigantes de aço" - as modernas colheitadeiras - que reviram a terra, plantam e colhem sem precisar de enxadas. No horário do almoço, Raimunda volta para ver os oito filhos que passam o dia nas redes encardidas da casa de palha, sem energia elétrica e água encanada. Ela e o marido criam os filhos com R$ 150 do trabalho mensal na lavoura e R$ 250 do programa de transferência de renda Bolsa Família.

"Tenho fé em Deus que venço essa batalha", diz Raimunda, enquanto as crianças comem arroz com um caldo de carne em potes de margarina. A família mora em Palmeirante, um dos 79 municípios criados no Tocantins desde que o antigo Norte de Goiás foi desmembrado na Constituinte de 1988. O centro do município, formado por casas de barro e palha, fica entre uma área de eucaliptos e um campo de soja.

Tocantins não pode se queixar de repasses de verbas federais nem de controle dos órgãos de Brasília na aplicação do dinheiro. O Estado foi o quinto que mais recebeu recursos no ano passado. Os fundos de participação dos municípios e dos Estados garantiram R$ 3.400 por habitante. É o dobro do valor recebido por Estados do Norte e Nordeste, como Pará e Pernambuco, que receberam R$ 1.500 cada. Na Constituinte de 1988, uma manobra política incluiu Tocantins na região Norte, o que garantiu ao Estado privilégio na distribuição de dinheiro da União. Mas não passa de 15.º no ranking nacional de qualidade de vida.

Transferências.

Neste ano, Tocantins, com um milhão e trezentos mil habitantes, recebeu R$ 241 milhões dos fundos de Participação dos Estados e Municípios. Piauí, com dois milhões a mais de moradores, recebeu R$ 229 milhões. Em Barra do Ouro, outro município criado após o desmembramento, a agricultora e comerciante Eriane Ribeiro de Oliveira, 56 anos, afirma que o dinheiro federal fica no ralo da burocracia e da corrupção.

"O governo manda dinheiro demais, mas não chega para quem precisa", diz. "Um dia apareceu um deputado aqui, disse que ia mandar um trator para ajudar nas plantações das pessoas necessitadas. Eu falei para ele: 'Não precisa mandar, porque a máquina vai direto para a fazenda de quem não carece da ajuda'."

Em Palmeirante, o lavrador Santana Fonseca Chaves, 41 anos e aparência de uma pessoa de mais idade, diz que o dinheiro do Bolsa Família recebido pela mulher Maria José, 38, não é suficiente para manter os oito filhos na escola. "Antes (da criação do Tocantins) era tudo do jeito que está agora", afirma. "Às vezes aparece uma novidade, mas continua a mesma coisa", ressalta. Dois de seus filhos sofrem problemas mentais.

Fonte: Jornal O Estado de S.Paulo de 28/04/2013

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