quinta-feira, 31 de maio de 2012

Artigo: Votar em ideias, por Jilmar Tatto

Há vinte anos se repetem crises políticas geradas por escândalos de corrupção no país, sendo recorrente o envolvimento de agentes públicos, empresas e Estado, nos três níveis de poder e da federação.

Esses fatos guardam relação direta com o esgotamento do sistema político e eleitoral em vigor desde a Constituição de 1988, notadamente no tocante ao financiamento privado de campanhas. Não há como dissociar esse modelo de financiamento de um quadro nebuloso no qual se misturam interesses e se invertem valores, com o predomínio dos objetivos privados sobre os públicos.

O PT tem insistido: a infiltração do poder econômico nas eleições gera graves distorções, como a desigualdade política, e permite que os políticos afinados com o empresariado tenham mais sucesso nas urnas.

É o que nos revela o trabalho da Polícia Federal nas operações Vegas e Monte Carlo, que desvendaram os tentáculos da organização criminosa comandada pelo contraventor Carlos Cachoeira. Goiás aparece hoje envolto por uma rede criminosa que capturou boa parte das instituições do estado, em flagrantes esquemas de captação ilegal de recursos para campanhas.

Chegou a hora de dar um basta à hipocrisia de que recursos públicos não devem ser usados no financiamento de campanhas. O modelo atual fomenta desvios e crises, permite que empresas prestadoras de serviço ao Estado possam exigir contrapartidas ao financiarem campanhas de determinado candidato ou partido e também lança permanente suspeição sobre todo o mundo da política.

O custo crescente das campanhas estimula candidatos a buscarem recursos financeiros em empresas ou, ainda pior, em segmentos do crime organizado, no poder econômico paralelo. Com o financiamento público, haveria drástica redução dessas operações. Hoje, a instabilidade é inevitável, há caixa dois e favorecimentos a candidatos ligados ao poder econômico. Isso faz aumentarem o tráfico de influência e a corrupção no âmbito da administração pública e deforma a expressão da vontade popular.

O financiamento privado é antidemocrático e, combinado com as listas abertas e coligações, distorce a relação entre quem o eleitor escolhe e quem efetivamente se elege. Hoje é evidente que candidatos com mais acesso às fontes de recursos têm mais chance de se eleger. Muitas vezes, o cidadão vota em quem tem maior visibilidade na mídia, e a essência do que é importante para o país e para a sociedade torna-se secundária. O modelo atual, pirotécnico, caro, é uma anomalia.

O financiamento público permitirá que todos os partidos e candidatos possam defender suas ideias e fazer campanha em grau de igualdade. Permitirá discutir plataforma, programa de governo e ainda explicitar os custos do sistema político, não os transferindo para a administração pública, via contratos. O compromisso do eleito, seja em que esfera for, será com o eleitor e com o interesse público. A mudança, mesmo que não seja perfeita, limitará as fraudes e facilitará a fiscalização. Será um avanço, com o estabelecimento de critérios transparentes para a distribuição dos recursos, de forma equitativa, entre todos os partidos. Os cidadãos saberão antecipadamente quanto cada partido recebeu para as eleições e poderão, por meio de um site específico administrado pelo TSE, acompanhar a aplicação desses recursos pelas diversas candidaturas.

Adotar o financiamento público exigirá esclarecimento e esforço de toda a sociedade, em um amplo debate que possa levar a transformações que aprofundem e fortaleçam nossa democracia, tornando mais transparente nosso sistema representativo. Podemos avançar. A sociedade brasileira ganha quando vota em ideias e não no poder econômico.

Jilmar Tatto é deputado federal (SP) e líder do PT na Câmara.

(Artigo publicado originalmente no jornal O Globo, edição de 24/05/2012)

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