Por Marcos Coimbra
O pensamento conservador
brasileiro – na política, na mídia, no meio acadêmico, na sociedade – tem
horror ao Bolsa Família. É só colocar dois conservadores para conversar que,
mais cedo ou mais tarde, acabam falando mal do programa.
Não é apenas no Brasil que
conservadores abominam iniciativas desse tipo. No mundo inteiro, a expansão da
cidadania social e a consolidação do chamado “Estado do Bem-Estar” aconteceu,
apesar de sua reação.Costumamos nos esquecer dos “sólidos argumentos” que se opunham contra políticas que hoje em dia são vistas como naturais e se tornaram rotina. Quem discutiria, atualmente, a necessidade da Previdência Social, da ação do Estado na saúde pública, na assistência médica e na educação continuada?
Mas todas já foram
consideradas áreas interditas ao Estado. Que melhor funcionariam se
permanecessem regidas, exclusivamente, pela “dinâmica do mercado”. Tem quem
pode, paga quem consegue. Mesmo se bem-intencionado, o “estatismo” terminaria
por desencorajar o esforço individual e provocar o agravamento – em vez da
solução – do problema original.
O axioma do pensamento
conservador é simples: a cada vez que se “ajuda” um pobre, fabricam-se mais
pobres.
Passaram-se os tempos e
ninguém mais diz essas barbaridades, ainda que muitos continuem a acreditar
nelas. Hoje, o alvo principal das críticas conservadoras são os programas de
transferência direta de renda. Naturalmente, os que crescem e se consolidam. Se
permanecerem pequenos, são vistos até com simpatia, uma espécie de aceno que
sinaliza a “preocupação social” de seus formuladores.
Mas é uma relação ambígua:
ao mesmo tempo que criticam os programas de larga escala, dizem-se seus
mentores. Da versão “correta”. Veja-se a polêmica a respeito de quem inventou o
Bolsa Família: irrelevante para a opinião pública, mas central para as
oposições. À medida que o programa avançou e se expandiu ao longo do primeiro
governo Lula, tornando-se sua marca mais conhecida e aprovada, sua paternidade
começou a ser reivindicada pelo PSDB. Argumentavam que sua origem era um
programa instituído pelo prefeito tucano de Campinas, José Roberto Magalhães
Teixeira, em 1994.Ele criou de fato o Programa de Renda Mínima, que complementava a receita de pessoas em situação de miséria. Por razões evidentes, limitava-se à cidade e beneficiava apenas 2,5 mil famílias, com uma administração tão complexa que era impossível expandi-lo com os recursos da prefeitura.
Tem sentido dizer que o
Bolsa Família nasceu assim? Que esse pequeno experimento local é a matriz do
que temos hoje? O maior e mais bem avaliado programa do gênero existente no
mundo e que serve de modelo para países ricos e pobres?
O que a discussão sobre o
Renda Mínima de Campinas levanta é uma pergunta: se o PSDB estava convencido da
necessidade de elaborar um programa nacional baseado nele, por que não o fez?Não foi Fernando Henrique Cardoso quem venceu a eleição de 1994? O novo presidente não era amigo e correligionário do prefeito? Ou será que FHC não levou o programa do companheiro para o nível federal por ignorá-lo?
Quem sabe conhecesse a
iniciativa e até a aplaudisse, mas não fazia parte do arsenal de medidas que
achava adequadas para enfrentar o problema da pobreza. Não eram “coisas desse
tipo” que o Brasil precisava.
Goste-se ou não de Lula, o
fato é que o Bolsa Família só nasceu quando ele chegou à Presidência. E é muito
provável que não existisse se José Serra tivesse vencido aquela eleição.
Fazer a arqueologia do
programa é bizantino. Para as pessoas comuns não quer dizer nada. Como se vê
nas pesquisas, acham até engraçado sustentar que o Bolsa Família não tem a cara
de Lula.
Não é isso, no entanto, o
que pensam os conservadores. Para eles, continua a ser necessário evitar que
essa bandeira permaneça nas mãos do ex-presidente. O curioso é que não gostam
do programa. E que, toda vez que o discutem, só conseguem pensar no que fazer
para excluir beneficiários: são obcecados pela ideia de “porta de saída”.
Outro dia, tudo isso estava
em um editorial de O Globo intitulado “Efeitos colaterais do Bolsa Família”: a
tese da ancestralidade tucana, a depreciação do programa – apresentado como
reunião de “linhas de sustentação social (?) já existentes” –, a opinião de que
teria ficado “grande demais”, a crítica de que causaria escassez de mão de obra
no Nordeste, e por aí vai (em momento revelador, escreveu “Era FHC” e “período
Lula” – como se somente o primeiro merecesse a maiúscula).
Para a oposição –
especialmente a menos informada –, o Bolsa Família é o grande culpado pela
reeleição de Lula e a vitória de Dilma Rousseff. Não admira que o deteste.
Para os políticos, as coisas
são, porém, mais complicadas. Como hostilizar um programa que a população
apoia?
Por isso, quando vão à rua
disputar eleições, se apresentam como seus defensores. Como na inesquecível
campanha de Serra em 2010: “Eu sou o Zé que vai continuar a obra do Lula!”.
Alguém acredita?
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